Falta de Mão de Obra, Industrialização e Inovação na Construção

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Se recuássemos algumas décadas no nosso país veríamos uma economia e uma sociedade de produção assente no setor agrícola. Essa sociedade e economia de produção evoluiu para o setor da indústria e hoje está a evoluir para o setor dos serviços.

O problema está nesta fase de transição que estamos a viver a muitos níveis. A mão de obra qualificada escasseia e antes que robots, exoesqueletos e ferramentas digitais aumentem as nossas capacidades físicas e mentais, vamos ter de encontrar pessoas dispostas a colmatar a falta de mão de obra qualificada atual.

Muitos profissionais com que colaboramos dizem que a solução para esta questão por agora vai ser a imigração de profissionais de países de língua Portuguesa. Países que têm mão de obra disponível, com capacidades técnicas interessantes, que estão dispostos a aprender novos processos e ferramentas e a ter uma experiência de vida em Portugal e na Europa. Pessoas que podem acrescentar valor à nossa sociedade e à nossa economia.

Para atrairmos esses profissionais será vital criar parcerias com câmaras de comércio internacionais, embaixadas e associações profissionais nesses países de língua Portuguesa. Também vai ser fundamental que os centros de formação profissional disponíveis se articulem com essas entidades e façam a ponte para o nosso mercado de trabalho.

Porém, com o grande volume de obras atual, nem assim se conseguirá dar resposta à procura de profissionais no médio prazo, o que fará com que os custos de produção aumentem. Uma solução a curto prazo para este problema será os promotores ou donos de obra terem os seus próprios profissionais ou até construírem eles mesmos as suas próprias obras quando estas forem de pequena dimensão, algo que nós na bricoarts.com fizemos recentemente com duas moradias que restauramos, contratando pontualmente profissionais para as tarefas que não fomos capazes de executar e que requeriam conhecimentos e experiência avançados.

O “faça você mesmo”, a mão de obra imigrante juntamente com novos processos e materiais pré-fabricados vão permitir ir colmatando este problema, pelo menos enquanto fazemos com que os robots e os exoesqueletos evoluem até poderem ser usados na construção de modo económico.

 

Falando agora de economia, com a crise dos empréstimos subprime de 2008 muita coisa mudou. Os bancos centrais começaram a descer taxas de juro ao crédito para valores próximos de zero, ou até mesmo negativos, o que ajudou a reimpulsionar os mercados. Quem tinha muito dinheiro no banco também viu os seus depósitos a prazo afetados, pois se os bancos não ganham dinheiro com taxas de juro para crédito, também não podem pagar dinheiro em taxas de juro a quem tem o dinheiro a render em depósitos. Isto levou a que os investidores se virassem para o imobiliário, afinal de contas as pessoas têm de viver em algum lado. O turismo também requer alojamento, por isso deram-se as circunstâncias adequadas para um forte investimento e procura nos setores imobiliário e de turismo, a que temos assistido nos últimos anos.

Não é possível prever quantos anos este cenário vai durar, mas enquanto as taxas de juro ao crédito estiverem nulas ou negativas, podemos prever que o cenário atual se mantenha mais ou menos nestes moldes. Quando começarem a subir, se começarem a subir, para valores normais de 2%, 3%, ou mais, recomenda-se alguma cautela com o investimento e a construção. Por enquanto, a fábula da formiga e da cigarra vai sendo o caminho mais sensato. Investir em habitação, coliving, coworking, turismo e em ferramentas mais avançadas e eficientes, evitando assim gastos em automóveis ou produtos de luxo de reduzido valor residual e altos custos de manutenção vai ser essencial para o crescimento sustentável da nossa economia de construção.

Fala-se muito em aumentar a produtividade e a competitividade da nossa economia, mas o desafio não consiste em trabalhar mais ou com mais esforço. Consiste sim em trabalhar bem, com ferramentas, atividades e estratégias adequadas aos tempos de hoje, que acrescentem valor à sociedade.

Neste cenário, as ferramentas digitais serão essenciais não só para a produção mas sobretudo para a gestão das obras, com projetos, estimativas e controles de custos eficientes e certeiros, que nos permitam diminuir as derrapagens de prazos e custos e aumentar o lucro e benefício de promotores, construtores e utilizadores sem perder de vista o respeito pelo meio ambiente e o ciclo de vida das nossas ferramentas, materiais e construções.

As máquinas de fabricação digital CNC, corte laser, impressoras 3D e Robots tipo Kuka, vão permitir produzir materiais e edifícios extraordinários nas próximas décadas. Não necessariamente mais caros, porque por enquanto este tipo de produtos ainda são pouco comuns, logo bastante mais caros que as soluções tradicionais, à medida que os processos de fabrico e construção evoluem no sentido da pré-fabricação em massa ou à medida em fábricas, os custos de construção deste tipo vão diminuir, até ao ponto que ficarão mais económicos que os produtos tradicionais.

Vai ser também essencial melhorar a eficiência nos processos de extração e manipulação de matérias primas e nos processos de fabrico e distribuição dos materiais de construção. Estes também vão tender cada vez mais para o préfabricado, facilidade de trabalho e aplicação, até mesmo por pessoas que não são do setor da construção. Produtos prontos a aplicar, controlados e testados em fábrica, com elevadas prestações e certificações de qualidade. Materiais contínuos, com menos juntas e facilidade de aplicação. Materiais reciclados e recicláveis.

A indústria da construção e as construções atuais representam uma das maiores pegadas de CO2 mundiais, juntamente com o setor dos transportes e da produção de eletricidade. Se queremos continuar a viver e evoluir como espécie teremos de reequilibrar o ambiente construído com o ambiente natural, sob pena da natureza se revoltar ainda mais contra nós e forçar-nos a atingir esse equilíbrio. De uma maneira ou de outra o planeta Terra vai sobreviver, nós é que não se continuarmos a produzir e a consumir nos moldes atuais.

Mas não falamos de vivermos todos em aldeias com tendas, mas sim de usar a tecnologia a nosso favor para produzir construções mais eficientes, confortáveis, recicláveis e integradas com a natureza.

 

Alejandro de la Sota costumava dizer que a indústria da construção não tinha avançado quase nada no último século, sobretudo quando comparada com a indústria automóvel e aeronáutica.

Nos dias de hoje, muito devido ás novas ferramentas de desenho assistido por computador BIM e de desenho algorítmico, já vamos recuperando o atraso do último século. Novos softwares de desenho e de cálculo permitem projetar, testar e optimizar formas e elementos construtivos nunca antes possíveis. Com efeito, os novos processos e as novas ferramentas digitais são uma condição essencial para que possamos projetar e construir edificações e construções mais resistentes, eficientes e amigas do ambiente.

Muitos projetistas afirmam que já não conseguem aprender novas ferramentas na fase em que encontram, mas podem sempre contratar novos colaboradores ou formar os seus colaboradores mais novos em BIM e desenho algorítmico. Existem muitos cursos, entidades formadoras e também muita informação online gratuita e a curva de aprendizagem, apesar de lenta no primeiro ano, é muito rápida nos anos seguintes.

Para ter uma ideia, em BIM desenha-se o edifício ou a construção como um objeto tridimensional, como um automóvel se desenha em Rhinoceros e Grasshopper, com todos os seus componentes parametrizados e quantificados. Quando se altera uma parte ou um componente do objeto, todos os desenhos e mapas de quantidades desse modelo são atualizados automaticamente. Aqui não há espaço para erro, mentira ou impossibilidade construtiva como no desenho tradicional em duas dimensões CAD, que não é mais que um estirador e uma caneta num computador. Ou seja, o desenho tradicional CAD poucas vantagens tira das capacidades de processamento gráfico e de cálculo de um computador, algo que o BIM e o desenho algorítmico aproveitam ao máximo.

A (R)evolução Digital vai ser uma alavanca essencial neste processo evolutivo na construção. Por isso criamos a bricoarts.com uma plataforma online de partilha de ideias, profissionais, materiais e manuais para o setor da construção. Uma plataforma colaborativa para que juntos possamos superar os desafios económicos, ecológicos e sociais atuais e continuar a melhorar a qualidade de vida do nosso planeta e de todas as espécies que nele habitam.

 

Miguel Oliveira, Arquiteto pelo Iaac, OASRN 14945

Sérgio Oliveira, Engenheiro Civil pela Universidade do Minho, OE 65295